Sobre as
coisas que deveriam ser e não são. A
gente deveria ser e uma porrada de outras coisas. Eu deveria ter dito. Eu deveria
não ter dito. Eu deveria ter ido. Eu deveria não ter ido. Se eu pudesse tinha
amado mais. Tinha me declarado menos. Se soubesse nunca teria me apaixonado. Se
ele mudasse de ideia, eu mudava de vida, porque ia correndo morar com ele. Se
ele respondesse as mensagens depressa. Se ela não me ligasse tanto. Se eu não
me sentisse sozinha nos fins de semana. Se ela não tivesse ciúme. Se ele fosse
menos grosso. Se ela não fosse tão grudenta. Se ele fosse mais romântico. Eu
quero sair. Ele quer ficar em casa vendo filme. Ele é tão sério. Ela é tão
palhaça. Ele não aguenta mais. Ela já arrumou as malas umas 100 vezes. Eles
sorriem. Quando estão juntos, eu não vejo tanta incompreensão, mais por baixo
da mesa ela belisca ele, e no ouvido dela, ele reclama para ela não olhar para
os lados. Um casal perfeito. Se ela não tivesse que mudar tanto. Se ele não
tivesse que ser outra pessoa. Se os silêncios não magoassem. Se as respostas
não ofendessem. Se ela não reclamasse tanto. Se ele fosse talvez mais
atencioso.
A questão é
que nada mudaria os rumos dos fatos, se não fosse pra ser e pronto. Ela só quis
acertar em cada momento. E ele sempre foi tão esperto. Ela vai chorar anos e
esquecer. Ele vai chorar um dia e não vai esquecer nunca. Se ela não fosse
talvez a mulher mais meiga do mundo. Se ele não fosse tão lindo ao sorrir. Se
ela não amasse tanto. Se ele tivesse pronto. A gente estaria a essa hora com os
pés na parede admirando o teto, falando da vida. Mas acontece que não, eu estou
em casa fazendo poemas. Ele bebe em um bar. Eu choro a noite toda. Ele sorrir
até a barriga doer. Mas se eu tivesse usado aquele vestido, mudado o brinco? Se
eu tivesse dado aquelas flores pra ela e tocado violão? Se eu não tivesse
deixado sufocar? Se não tivesse deixado chegar a esse ponto? Ia completar meia
hora de tanto olhar pro teto e a gente nem ia notar, ia passar uma vida e
nossas mãos não iriam largar. Acontece que ela ta lá e eu tô cá. Ela marcou um
jantar, e a comida apodreceu na geladeira. Ele marcou um cinema e nunca mais
tocou no assunto. Se o jantar tivesse pronto? Se o cinema tivesse acontecido?
Que vida teriam? Quem seriam?
Eu quero ele
agora e não consigo querer mais nada na minha vida. Eu não queria tá tão
arrependido. Mas não vou falar. Eu também não vou falar. Deixa o tempo. Deixa a
vida. E se as coisas tivessem sido ditas? Eu não sei. Eu quero tantas coisas,
simples. Eu quero coisas complicadas demais. Ele não entende. Ela não entende.
A gente era feliz junto e nem sabia. Eu acho que eu sabia de tudo, mas não
queria admitir. Ele faz uma falta danada, de noite, de dia, de madrugada. Ela
faz um buraco, me derruba da calçada, me atrasa. Eu quero ser feliz. Felicidade
é tão simples e ela complica. E se eu tivesse sido mais ousada? E se eu não
fosse tão exigente? Ele estaria aqui
arrumando a encanação. Ela estaria aqui preparando o jantar. Se ele fosse mais?
Se ela fosse menos?
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